Artigo | Experts técnicos e seu papel em litígios no setor elétrico
- Fabiola Sena
- 22 de out.
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Data: 22 de outubro de 2025
Por Fabiola Sena, D.Eng.
O setor elétrico é, por natureza, um terreno fértil para contratos. Desde os contratos de concessão, celebrados entre o poder concedente e agentes privados, passando pela extensa gama de contratos de comercialização – regulados ou bilaterais –, até os de natureza acessória, como os EPCs (Engineering, Procurement and Construction), FSAs (Fuel Supply Agreements), SPAs (Share Purchase Agreements), acordos de acionistas e contratos de arrendamento de terras e equipamentos.
E onde há contratos, há potencial para controvérsias. É nesse contexto que a arbitragem tem se consolidado como o principal método de resolução de disputas do setor elétrico. Além de garantir confidencialidade e celeridade, a arbitragem assegura que a decisão será tomada por profissionais com experiência e conhecimento especializado na matéria – um diferencial decisivo em temas técnicos e complexos.
O papel da Câmara e do Tribunal Arbitral
O procedimento arbitral segue a lógica estabelecida pela Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem). Ele se inicia com o pedido de instauração da arbitragem, no qual a parte requerente apresenta os fatos, fundamentos e pedidos. Cada parte é representada por seus advogados, e o julgamento é conduzido por um Tribunal Arbitral, normalmente composto por três árbitros: um indicado por cada parte e um presidente escolhido em consenso.
Esses árbitros devem manter independência e imparcialidade durante todo o processo, revelando eventuais vínculos que possam gerar conflito de interesses. A condução técnica e ética do tribunal é o que sustenta a credibilidade da arbitragem.
A ascensão dos experts não advogados
Nos últimos anos, as arbitragens do setor elétrico têm registrado uma participação crescente de experts não advogados – profissionais das áreas de engenharia, economia, finanças e regulação. Essa presença é uma resposta direta à natureza técnica dos contratos e à complexidade crescente das disputas.
De modo geral, há dois tipos de especialistas técnicos envolvidos:
· o perito, nomeado pelo tribunal arbitral, que atua de forma imparcial e responde aos quesitos formulados pelas partes; e
· os assistentes técnicos, contratados por cada parte, com o papel de apoiar tecnicamente a sua respectiva defesa.
Enquanto o perito responde ao tribunal, os assistentes técnicos oferecem suporte estratégico às partes, produzindo análises, pareceres e contranálises que podem definir o rumo da disputa.
Por que contratar um assistente técnico
A presença de um assistente técnico experiente antecipará riscos e inconsistências antes que se tornem vulnerabilidades processuais. Sua atuação contribui para fortalecer a tese jurídica, oferecendo à equipe de advogados uma base técnica sólida e confiável, transformando dados complexos em argumentos claros e sustentáveis.
A primeira interpretação técnica tende a moldar a narrativa da arbitragem, e quando uma das partes se antecipa e apresenta uma visão estruturada e didática da questão, estabelece o enquadramento técnico que muitas vezes guiará o raciocínio do perito e dos árbitros ao longo de todo o processo.
Além disso, relatórios e pareceres bem elaborados promovem celeridade e eficiência, reduzindo espaços para disputas infundadas ou estratégias protelatórias. Um parecer consistente e bem fundamentado pode simplificar a controvérsia e encurtar etapas do procedimento.
Outro aspecto essencial é a credibilidade e isenção. Assistentes técnicos independentes, sem vínculos com agentes de mercado e com histórico institucional reconhecido, conferem legitimidade à posição da parte. Esse fator é particularmente relevante em setores como o elétrico, onde as relações comerciais entre agentes são frequentes e, por vezes, sobrepostas.
Em termos estratégicos, a contratação de um expert também evita assimetrias. Quando apenas uma parte conta com um assistente técnico, cria-se um desequilíbrio de análise e argumentação. Ter um profissional do mesmo nível – ou superior – restabelece o equilíbrio técnico e pode até gerar vantagem competitiva, sobretudo em disputas que envolvem cálculos de exposição, avaliação de perdas e danos, ou interpretação de normas setoriais.
Por fim, o assistente técnico atua em sinergia com a equipe jurídica, desde a fase pré-arbitral até a audiência. Participa da formulação de quesitos, da análise de laudos, da elaboração de manifestações e da preparação de depoimentos técnicos. Essa cooperação garante coerência entre a narrativa jurídica e a sustentação técnica, resultando em uma defesa mais consistente e persuasiva.
Independência e revelação
Apesar de serem profissionais de confiança das partes, os assistentes técnicos devem observar práticas de transparência. Sempre que houver dúvida quanto a potenciais conflitos – como vínculos anteriores com o litígio, relações comerciais ou financeiras com a parte contrária, ou qualquer interesse indireto no resultado da arbitragem –, recomenda-se a revelação prévia. Essa prática fortalece a relação de confiança e evita questionamentos posteriores.
Caminhos para o futuro
Com a expansão do mercado livre de energia, a crescente participação de novas tecnologias (armazenamento, hidrogênio, data centers) e a sofisticação dos modelos contratuais (autoprodução, swaps etc.), o número de disputas técnicas tenderá a aumentar. Nesse cenário, será cada vez mais necessário ampliar as listas de árbitros e experts com experiência no setor elétrico, valorizando profissionais tecnicamente competentes, independentes e éticos.
Em síntese, o assistente técnico é um pilar fundamental da boa arbitragem. Sua atuação dá clareza à técnica, consistência à tese jurídica e equilíbrio ao processo. Onde há contratos, há controvérsias – e onde há controvérsias, há espaço para experts que unam precisão analítica, visão estratégica e compromisso com a verdade técnica.
Outras disputas judiciais também se beneficiam de assistentes técnicos
Embora a arbitragem seja o ambiente natural para a atuação de experts, o processo judicial tradicional também vem incorporando cada vez mais a figura do assistente técnico – especialmente em ações que envolvem perícias complexas, temas regulatórios e litígios de alta especialização, como os do setor elétrico.
Nesses casos, o papel do assistente técnico é igualmente decisivo. A perícia judicial, embora conduzida por um perito nomeado pelo juiz, pode ser profundamente influenciada pela qualidade das manifestações apresentadas pelos assistentes das partes. Pareceres técnicos bem fundamentados orientam a produção de provas, esclarecem conceitos específicos e ajudam o magistrado a compreender o contexto técnico do litígio, reduzindo o risco de decisões baseadas em interpretações equivocadas.
Além disso, a presença de um expert qualificado permite acompanhar de forma crítica e colaborativa o trabalho do perito judicial, apontando eventuais inconsistências metodológicas, sugerindo quesitos complementares e garantindo que a análise mantenha aderência às normas setoriais e à realidade técnica do mercado.
Assim como na arbitragem, a atuação do assistente técnico no Judiciário agrega rigor, clareza e equilíbrio ao processo, reduzindo o grau de incerteza e aumentando a segurança jurídica das decisões. Em um cenário em que as controvérsias técnicas se tornam cada vez mais frequentes e sofisticadas, contar com especialistas independentes e experientes é não apenas recomendável, mas essencial para assegurar uma defesa técnica robusta e bem alinhada à estratégia jurídica.





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